No calendário religioso predominante em Portugal, existe uma tradição secular que ainda hoje pode ser observada no centro do País. Assente num sistema cultural de consagração da memória dos mortos, a Encomendação das Almas (EdA) faz parte do longo período de recolhimento da quaresma (40 dias), que mantém próximos os antepassados e o diálogo com a morte.

A crença na sobrevivência da alma depois da morte, e na possibilidade de estabelecimento de comunicação entre Humanos e não-Humanos, é o substrato desta manifestação cultural de cariz popular.

A EdA consiste em rezas e orações cantadas, num murmúrio de apelo, que pretendem estabelecer dimensões relacionais e interconexões com o auditório invisível das almas que padecem de agonias no purgatório. O ritual, que visa facilitar a ascensão dos espectros que vagueiam no limbo do purgatório ao paraíso, tem naquele (purgatório) o seu símbolo-dominante.

A institucionalização clerical do purgatório, na alta idade média, racionalizou os “itinerários errantes” das almas dos mortos, ordenando uma “multiplicidade de espaços” consignados ao pós-vida: o paraíso, o inferno, e, um espaço intermédio, o purgatório.

Este projecto foi realizado na aldeia de Corgas, no concelho de Proença-a-Nova, em Maio de 2022, e propõe dar a conhecer o universo deste ritual animista, através de retratos de pessoas que fazem parte integrante dos grupos que ainda hoje transportam esta tradição. (A aldeia de Corgas é, actualmente, um dos pouquíssimos lugares onde se mantém a EdA todas as noites da quaresma).