“O equilíbrio mental resulta em boa parte, e antes de tudo, do facto de os objetos materiais com que estamos em contacto diário não mudarem ou mudarem pouco, e nos oferecerem uma imagem de permanência e estabilidade” – Auguste Comte
A aldeia da Luz (Sudeste de Portugal) é hoje uma aldeia construída inteiramente de raíz.
Inaugurada oficialmente em Novembro de 2002 pelo então primeiro-ministro de Portugal, foi edificada para albergar todos os 363 habitantes oriundos da antiga aldeia da Luz. A razão para esta trasladação prende-se com a construção de uma barragem no rio Guadiana – a barragem de Alqueva – que originaria o maior lago artificial da Europa, e submergiria a totalidade da antiga aldeia. Tudo, desde as casas particulares, com as suas hortas e pomares, à Igreja e a todos os edifícios públicos, até às áreas circundantes à aldeia ficou submerso.
Todo este processo, que durou alguns meses, desenraizou uma comunidade inteira!
“Eu nem sequer imigrante sou. Um imigrante pode sempre, quando quiser, voltar à sua terra. Eu já não tenho terra; a minha está debaixo de água” – disse-me Manuel, um ancião com 84 anos que retratei para esta série.
Ancorado na teoria de Maurice Halbswachs expressa no seu livro “La mémoire collective” que relaciona a memória colectiva e o espaço, fui ao encontro desta comunidade 19 anos depois da sua migração forçada para a nova aldeia.
Interessava-me reflectir sobre como os universos simbólicos do espaço podem ser determinantes na construção/destruição de identidades e memórias, colectivas e individuais. Teria sido capaz, a construção da nova Aldeia da Luz, de gerar uma produção e representação do espaço que permitisse aos habitantes da antiga aldeia uma reconstrução de significados espaciais por forma a manterem vivas as dinâmicas que caracterizavam a antiga comunidade? Ou esse intento terá falido, originando uma desintegração desta, fazendo com que cerca de (hoje) 300 pessoas vivam órfãs da sua identidade colectiva, vivendo apenas de memórias individuais?